capítulo 12

Tanta gente que eu me canso, tanta pequenez, críticas sem fundamento, mesquinharia, julgamento alheio...
as pessoas me cançam nas suas necessidades de se auto afirmar.
Essa necessidade de ter a casa linda, o carro e um emprego de sucesso, uma família, casamento e um monte de sonhos banais.
Eu prefiro estar sozinho, muitos nem ligam e buscam sentido para essa merda mas eu ja cancei a tempos de toda essa falácia, esse jogo de mentiras, inveja, tanta gente frustrada que tenta se socializar porque são facos e pobres de alma mas cheios de dinheiro.
Ando cansado dessas doutrinas de céu e inferno, dessas mentiras de merda que enfiaram em nossas cabeças que pensam que pensa. Essas pessoas se multiplicam como pragas e isso me causa repúdio, cada um olhando para seu nariz,seu cabelo sua roupa, seu próprio mundo... não há mais esperança e isso é triste.
eu ja cansei dessa porra sou chato e não fasso questão de conhecer ninguém, nem preciso de semi-conhecidos que além da falta de assuntos somos  obrigados a dizer um "oi", cumprimentar e até puxar algum assunto clichê. Estão chegando os dias em que sair não é mais tão legal assim e quando saio logo me arrependo... na verdade acho que cancei e ficar no meu canto me parece o melhor lugar agora.

Ouro de Tolo - Raul Seixas

Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês...
Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso
Na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar
Um Corcel 73...
Eu devia estar alegre
E satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado
Fome por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa...
Ah!
Eu devia estar sorrindo
E orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa...
Eu devia estar contente
Por ter conseguido
Tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado...
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto "e daí?"
Eu tenho uma porção
De coisas grandes prá conquistar
E eu não posso ficar aí parado...
Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Prá ir com a família
No Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos...
Ah!
Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco...
É você olhar no espelho
Se sentir
Um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
Que só usa dez por cento
De sua cabeça animal...
E você ainda acredita
Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social...
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar...
Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador...
Ah!
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar...
Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador...

O amanuense Belmiro



(...)Lembra-me quão penoso foi o encontro com o passado . Lembra-me o dia em que só, na varanda da velha fazenda, numa hora por si mesma de intensa melancolia - a hora rural do pôr-do-sol -, fiquei a percorrer, com um vago olhar, as colinas e os vales que se desdobravam até o azul longínquo da serra, limite do meu mundo antigo.
     Na verdade, os olhos apenas refletiam imagens, logo as devolvendo para o exterior, porque algo impedia uma comunicação entre o mundo de fora e o meu mundo de dentro, rico de uma paisagem mais numerosa, que só possuía, em comum com aquele, os esfumados traços de coisas que vão se extinguindo, ao morrer da luz, e um sinal de sofrimento ou de tristeza, que, em certas oportunidades, nos parecem estar no fundo e na forma de cada coisa, em vez de se localizarem em nós mesmos.
     Em vão busquei nas linhas, cores e aromas de cada objeto ou de cada perspectiva, que se apresentavam aos meus olhos, as linhas, cores e aromas de outros dias, já longínquos e mortos.
     Inútil tentativa de viajar o passado, penetrar no mundo que já morreu e que, ai de nós, se nos tornou interdito, desde que deixou de existir, como presente, e se arremessou para trás. Vila Caraíbas, a montanha, o rio, o buritizal, a fazenda, a gameleira solitária no monte - que viviam em mim, iluminados por um sol festivo de 1910, ou apenas esboçados por um luar inesquecível que caiu sobre as coisas, naquela noite de 1907 - ali já não estavam. Onde pretendi encontrar a alma das épocas idas, não encontrei senão pobres espectros. A namorada, a lagoa.
     (...)
     O que a meus olhos surgiu foi a sombra miserável de um tempo que morreu. O sertão estraga as mulheres e a pobreza as consome. Mas, devastação maior lhes causa porventura a nossa imprudência, querendo cotejar com a realidade as invenções de uma desenfreada fantasia. A lagoa se foi drenada e convertida em pasto. Como se pode suprimir a lagoa? Como se pode cortar uma árvore? É como se destruíssemos um ser humano, vivo, fremente.
     (...)
     Percebi que vago delírio se apossara de mim, envolvendo-me naquela onde de saudade e naquele desejo de encontrar uma forma de morte, que é procurar as sombras de um mundo que se perdeu na noite do tempo .
     (...) As coisas não estão no espaço, leitor; as coisas estão no tempo. Há nelas ilusória permanência de forma, que esconde uma desagregação constante, ainda que infinitesimal. Mas não me refiro à perda da matéria, no domínio físico, e quero apenas dizer-lhe que, assim como a matéria se esvai, algo se desprende da coisa, a cada instante: é o espírito cotidiano, que lhe configura a imagem no tempo, pois lhe foge, cada dia,  para dar lugar a um novo espírito que dela emerge. Esse espírito, sutil representa a coisa, no momento preciso em que com ela nos comunicamos. Em vão o procuramos depois: só veremos outro, que nos é estranho.
     Na verdade, as coisas estão é no tempo, e o tempo está é dentro de nós. A essência das coisas, em certa manhã de abril, no ano de 1910, ou em determinada noite primaveril, doce, inesquecível noite, fugiu nas asas do tempo e só devemos buscá-las na duração do nosso espírito.