O Restaurante no Fim do Universo

O Guia do Mochileiro das Galáxias...



— Esse Deus põe uma macieira no meio de um jardim e diz "vocês façam o que vocês quiserem, ah, mas não comam a maçã". Surpresa surpresa, eles comem e ele pula de trás de uma moita gritando "Peguei vocês!".
Não teria feito muita diferença se eles não tivessem comido.
— Por que não?
— Porque se você está lidando com alguém que tem o tipo da mentalidade de quem deixa um chapéu na calçada com um tijolo embaixo para os outros chutarem pode ter certeza que ele não vai desistir. No fim ele te pega.

Da Vitória Sobre si Mesmo (Assim falou Zaratustra).



Chamais “desejo de verdade” ao que vos impele e incendeai, a vós, os mais sábios.
Desejo de imaginar tudo quanto existe; assim chamo eu ao vosso desejo.
Quereis tornar imaginável tudo quanto existe; porque duvidais com justa desconfiança que tudo seja imaginável.
É mister, porém, que tudo se amolde e curve perante vós! Assim o quer a vossa vontade. É mister que fique punido e submisso ao espírito como seu espelho e sua imagem.
Eis aqui toda a vossa vontade, sapientíssimos, como uma vontade de poder; e isto ainda que faleis do bem e do mal e das apreciações de valores.
Quereis ainda criar o mundo perante o qual possais ajoelhar-vos: é esta a vossa última esperança e a vossa última embriaguez.
Os simples, todavia, o povo, são semelhantes ao rio por onde avança um barquinho, e no barquinho vão, solenes e mascaradas, as apreciações dos valores.
Pusesteis a vossa vontade e os vossos valores no rio do porvir; o que o povo considera bom e mau revela-me uma antiga vontade de domínio.
Vós, os mais sábios, fosteis quem pôs esses hóspedes nesse barquinho; fosteis vós e a vossa vontade dominante que os enfeitou com adornos e nomes suntuosos.
Agora o rio arrasta mais para longe o vosso barquinho: tem que o arrastar. Pouco importa que a quebrada onda espume e, irada, lhe contrarie a quilha.
Não é o rio o vosso perigo e o fim do vosso bem e do vosso mal, sapientíssimos, mas essa mesma vontade, a vontade do poder, a vontade vital, inexgotável e criadora.
Mas, para compreenderdes a minha palavra sobre o bem e o mal, dir-vos-ei a minha palavra sobre a vida e a condição de todo o vivo.
Eu tenho seguido o que é vivo, persegui-o pelos caminhos grandes e pequenos, a fim de lhe conhecer a natureza.
Quando a vida emudecia, apanhava-lhe o olhar num espelho de cem facetas, a fim dos seus olhos me falarem.
Mas por onde quer que encontrasse o ser vivo, ouvi a palavra obediência. Todo o vivente é obediente.
Eis aqui a segunda coisa: manda-se ao que não sabe obedecer a si mesmo.
Tal é a condição natural do vivo.
Eis o que ouvi em terceiro lugar: Mandar é mais difícil do que obedecer; porque aquele que manda suporta o peso de todos os que obedecem, e essa carga facilmente o derruba.
Mandar parece-me um perigo e um risco. E quando manda, o vivo sempre se arrisca.
E quando se manda a si próprio também tem que expiar a sua autoridade, tem que ser juiz, vingador e vítima das suas próprias leis.
Como é então isto? — perguntei a mim mesmo. — Que é que decide o vivo a obedecer, a mandar, e a ser obediente, mesmo mandando?
Escutai a minha palavra, sapientíssimos! Examinai seriamente se penetrei no coração da vida!
Onde quer que encontrasse o que é vivo, encontrei a vontade de domínio, até na vontade do que obedece encontrei a vontade de ser senhor.
Sirva o mais fraco ao mais forte: eis o que lhe incita a vontade, que quer ser senhora do mais fraco. É essa a única alegria de que se não quer privar.
E como o mais pequeno se entrega ao maior, para gozar do mais pequeno e dominá-lo, assim o maior se entrega também e arrisca a vida pelo poder.
É este o abandono do maior; haja temeridade e perigo e jogue-se a vida num lanço de dados.
E onde há sacrifício e serviço e olhar de amor há também vontade de ser senhor. Por caminhos secretos desliza o mais fraco até à fortaleza, e até mesmo ao coração do mais poderoso, para roubar o poder.
E a própria vida me confiou este segredo: “Olha — disse — eu sou o que deve ser superior a si mesmo.”
Certamente vós chamais a isso vontade de criar ou impulso para o fim, para o mais sublime, para o mais longínquo, para o mais múltiplo; mas tudo isso é apenas uma só coisa e um só segredo.
Prefiro desaparecer a renunciar a essa coisa única: e, na verdade, onde há morte e queda de folhas, é onde se sacrifica a vida pelo poder.
É mister que eu seja luta e sucesso e fim e contradição dos fins. Ai! Aquele que adivinha a minha vontade adivinha também os caminhos tortuosos que precisa seguir.
Seja qual for a coisa que eu crie e o amor que lhe tenha, em breve devo ser adversário e o adversário do meu amor: assim o quer a minha vontade.
E tu também, investigador, não és mais do que a senda e a pista da minha vontade: a minha vontade de domínio segue também os vestígios da tua vontade de verdade.
Certamente não encontrou verdade aquele que falava da “vontade de existir”; não há tal vontade.
Porque o que não existe não pode querer; mas como poderia o que existe ainda desejar a existência!
Só onde há vida há vontade; não vontade de vida, mas como eu predico, vontade de domínio.
Há muitas coisas que o vivente aprecia mais do que a vida; mas nas próprias apreciações fala a “vontade de domínio”.
Isto ensinou-me um dia a vida, e por isso, sapientíssimos, eu resolvo o enigma do vosso coração.
Em verdade vos digo. Bem e mal imorredouros não existem. É preciso que incessantemente se excedam a si mesmos.
Com os vossos valores e as vossas palavras do bem e do mal, vós, os apreciadores de valor, exerceis poderio; e é este o vosso amor oculto e o esplendor, o tremor e o transbordar da vossa alma.
Dos vossos valores, porém, surge um poder mais forte e uma nova vitória sobre si, que parte os ovos e as cascas do ovo.
E o que deve ser criador no bem e no mal deve começar por ser destruidor e quebrar os valores.
Assim a maior malignidade forma parte da maior benignidade; mas esta benignidade é a criadora.
Digamo-lo, sapientíssimos, embora nos custe muito; calarmo-nos é ainda mais duro: todas as verdades caladas se tornam venenosas.
Aniquile-se tudo quanto pode ser aniquilado pelas nossas verdades! Há ainda muitas casas a edificar!”
Assim falava Zaratustra.

ETERNA MÁGOA – de Augusto dos Anjos.

O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!

Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resisitir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga
Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim, não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda
Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!

Dos Trânsfugas (Assim Falou Zaratustra).

I
“Ai! como já está triste e cinzento neste prado tudo o que há pouco estava ainda verde e cheio de cor! E quanto mel de esperança eu daqui levei à minha colmeia!
Todos estes corações juvenis se tornaram já velhos: e nem velhos sequer! Simplesmente fatigados, comuns e cômodos. Explicam-no dizendo:
“Tornamos a ser piedosos”.
Ainda não há muito os vi à primeira hora a andar briosamente; mas as pernas do conhecimento fatigaram-se-lhes e agora caluniam até os seus brios da manhã.
Na verdade, mais de um alçava dantes as pernas como um bailarino; o riso acenava-lhe com a minha sabedoria; mas depois refletiu e acabo de o ver curvado... arrastando-se até à cruz.
Dantes giravam em redor da luz e da liberdade como mosquitos e jovens poetas.
Um pouco mais velhos, um pouco mais frios, e já estão acocorados ao amor do lume como santarrões.
Desfaleceram por me haver tragado a soledade como uma baleia? Teriam debalde prestado ouvidos durante longo tempo às minhas trombetas e aos meus gritos de arauto?
Ai! Sempre são muito poucos os que têm um coração de largo fôlego e larga impetuosidade; e são também os únicos de espíritos perseverante. Tudo o mais é covardia.
E o mais é sempre a grande massa, o ordinário; o supérfluo, os que estão de mais. Todos estes são covardes!
Aquele que for da minha têmpera tropeçará no seu caminho com aventuras iguais às minhas; de forma que os seus primeiros companheiros devem ser cadáveres e acróbatas.
Os seus segundos companheiros, porém, chamar-se-ão seus crentes: um enxame animado, muito amor, muita loucura, muita veneração infantil.
A estes crentes não deverá ligar o seu coração aquele que dentre os homens for da minha índole; nessas primaveras e nesses prados de variadas cores, o que conhece não deve presumir a fraca e fugitiva condição humana.
Se pudessem doutra maneira quereriam também doutra maneira. As coisas por metade prejudicam o todo. Se há folhas que murcham, porque se há de queixar uma pessoa?
Deixa-a cair, Zaratustra, e não te queixes! Pelo contrário: varre-as com o sopro do teu vento; varre essas folhas, Zaratustra! Aparte-se de ti tudo quanto é murcho!
II
“Tornamos a ser piedosos” — assim confessam os trânsfugas; e muitos deles ainda são demasiados covardes para o confessar assim.
A estes encaro eu, a estes digo eu nas suas caras envergonhadas: Sois vós os que rezam outra vez!
Rezar, todavia, é uma vergonha! Não para toda a gente; mas para ti e para mim e para quantos têm a sua consciência na cabeça. Para ti é uma vergonha rezar!
Bem o sabes: o covarde demônio que dentro de ti se compraz em juntar as mãos e em cruzar os braços, e que desejaria ter uma vida mais fácil, esse covarde demônio disse-te: “Há um Deus!”
Assim, pois, fazes parte dos que temem a luz, daqueles a quem a luz nunca deixa repouso; tens agora que ocultar todos os dias a cabeça mais profundamente na noite e nas trevas.
E, na verdade, escolheste bem a tua hora; porque as aves noturnas tornaram a erguer o vôo. Chegou a hora dos seres que temem a luz, a hora do descanso em que... se não descansa.
Ouço-o bem: chegou a hora da sua caçada — não de uma caçada infernal, mas mansa, suave, farejando pelos cantos sem fazer mais ruído que o murmúrio de uma reza: caçadas de santarrões cheios de alma: todas as ratoeiras dos corações estão novamente preparadas!
E onde quer que erga uma cortina logo sai para fora uma borboleta noturna.
Estaria ali acaçapada com outra borboleta noturna? Que eu em toda a parte pressinto pequenas comunidades ocultas e em toda a parte em que houver esconderijos haverá novos beatos e cheiro de beatos.
Estarão reunidos durante noites inteiras e dizem entre si: — “Tornemos a ser crianças e invoquemos o Senhor!” Os piedosos confeiteiros deram-lhe cabo da boca e do estômago.
Ou contemplam durante longas noites alguma astuta aranha espreitando, que predica a astúcia às próprias aranhas, ensinando: “É bom tecer sob as cruzes!”
Ou passam dias inteiros sentados, munidos de canas de pesca, na margem dos pântanos, e julgam que aquilo é que é ser profundo; mas o que pesca onde não há peixes parece-me que nem sequer é superficial.
Ou aprendem alegremente a tocar harpa com um versejador que se desejaria insinuar no coração das donzelas, porque está cansado das velhas e dos seus elogios.
Ou aprendem a espavorir-se com algum sábio tresloucado que espera em quartos escuros que apareçam os espíritos... enquanto o seu espírito desaparece completamente!
Ou escutam um velho charlatão, músico ambulante a quem ventos tristes ensinaram toadas lamentosas: agora sibila à semelhança do vento e predica a compreensão em tom compungido.
E alguns até se tornam guardas-noturnos; sabem agora tocar cornetas, rondar de noite e despertar antigas coisas há muito tempo adormecidas.
Ontem à noite, ao lado do ripado de um jardim, ouvi algumas palavras a propósito dessas coisas alheias que procediam desses velhos guardas, tristes e mirrados.
“Sendo pai, não vela bastante pelos filhos: pais humanos fazem-no melhor do que ele”.
“É velho demais. Já nada se ocupa dos seus filhos”. Assim respondeu o outro guarda.
“Mas terá ele filhos? Ninguém o pode provar, se ele mesmo o não prova. Há muito que eu quereria que ele o provasse fundamente”.
“Provar? Acaso provou ele alguma vez alguma coisa? Custam-lhe as provas; tem muito empenho em que o acreditem”.
“Sim, sim! Salva-o a fé, a fé em si mesmo! É a condição dos velhos! A nós sucede-nos o mesmo!”
Assim conversaram os dois morcegos, inimigos da luz: depois tocaram tristemente as cornetas; eis o que se passou ontem à noite, ao lado do velho ripado do jardim.
Entretanto o meu coração contorcia-se de riso; queria estalar, mas não sabia como, e ria, ria.
Na verdade, a minha morte será afogar-me em riso, vendo asnos embriagados e ouvindo assim morcegos duvidarem de Deus.
Não passou há muito o tempo de tais dúvidas? Quem teria ainda o direito de despertar do seu sono coisas tão inimigas da luz?
Há muito que se acabaram os antigos deuses, e na verdade tiveram um bom e alegre fim divino!
Não passaram pelo “crepúsculo” para caminhar para a morte — é uma mentira dize-lo! — Pelo contrário: mataram-se a si mesmos a poder de... riso!
Sucedeu isso quando chegaram a pronunciar-se por um deus as palavras mais ímpias — as palavras: Só há um Deus! Não terás outros deuses a par de mim!
Um deus velho, colérico e zeloso, que se excedeu a este ponto.
Então todos os deuses se puseram a rir, e agitando-se nos seus assentos, exclamaram: “Não se baseia precisamente a divindade em haver deuses, e não Deus?
Quem tiver ouvidos que ouça”.
Assim falava Zaratustra na cidade que amava, e que se chama a “Vaca Malhada”. Que dali só mediam dois dias de caminho para chegar à sua caverna ao pé dos animais que amava, e sempre se lhe alegrava a alma ao aproximar-se o seu regresso.

O Guia do Mochileiro das Galáxias oferece a seguinte definição para a palavra "Infinito":
Infinito: Maior que a maior de todas as coisas e um pouco mais que isso. Muito maior que isso, na verdade, realmente fantasticamente imenso, de um tamanho totalmente estonteante, tipo "puxa, isso é realmente grande!". O infinito é tão totalmente grande que, em comparação a ele, a grandeza em si parece ínfima. Gigantesco multiplicado por colossal multiplicado por estonteantemente enorme é o tipo de conceito que estamos tentando passar aqui.
(...)
É fato conhecido que há um número infinito de mundos, simplesmente porque há um espaço infinito para que esses mundos existam. Todavia, nem todos são habitados. Assim, deve haver um número finito de mundos habitados. Qualquer número finito dividido por infinito é tão perto de zero que não faz diferença, de forma que a população de todos os planetas do Universo pode ser considerada igual a zero. Disso podemos deduzir que a população de todo o  Universo  também é zero, e que quaisquer pessoas que você possa encontrar de vez em quando são meramente produtos de uma imaginação perturbada.
“Os figos caem das árvores: são bons e doces; e conforme caem assim se lhes abre a vermelha pele. Eu sou um vento do Norte para os figos maduros.
Assim como os figos, caem em vós estas práticas; recebei o seu suco e a sua doce polpa. Em torno de nós reina o outono, reina a tarde como um céu sereno.
Vede que plenitude em nosso redor! E que belo, do seio da abundância, olhar para fora, para os mares longínquos!
Noutro tempo, quando se olhava para os mares longínquos, dizia-se: “Deus”; mas agora eu vos ensinei a dizer: “Super-homem”.
Deus é uma conjectura; mas eu quero que a vossa conjectura não vá mais longe do que a vossa vontade criadora.
Poderíeis criar um Deus? Pois então não me faleis de deuses! Poderíeis, contudo, criar um Super-homem.
Talvez vós o não sejais, meus irmãos! Podeis transformar-vos em pais e ascendentes do Super-homem: seja essa a vossa melhor criação!
Deus é uma conjectura; mas eu quero que a vossa conjectura se circunscreva ao imaginável.
Poderíeis imaginar um Deus? Signifique, para vós outros, a vontade de verdade, que tudo se transforme no que o homem pode pensar, ver e sentir! Deveis cuidar até o último os vossos próprios sentidos!
E o que chamáveis mundo deve ser criado já por vós outros; a vossa razão, a vossa imagem, a vossa vontade, o vosso amor devem tornar-se o vosso próprio mundo. E verdadeiramente, será para ventura vossa!
Vós, que pensais e compreendeis, como havíeis de suportar a vida sem essa esperança? Não deveríeis persistir no que é incompreensível nem no que é irracional.
Hei de vos abrir, porém, inteiramente o meu coração, meus amigos; se existissem deuses como poderia eu suportar não ser um deus?! Por conseguinte, não há deuses.
Fui eu, na verdade, quem tirou essa conseqüência; mas agora é ela que me tira a mim mesmo.
Deus é uma conjectura; mas, quem beberia sem morrer, todos os tormentos desta conjectura?
Acaso se quererá tirar ao criador a sua fé, e à águia o seu vôo pelas regiões longínquas?
Deus é um pensamento que torce tudo quanto está fixo.
Que!? Não existiria já o tempo, e todo o perecível seria mentira?
Pensar tal produz vertigem nos ossos humanos e náuseas no estômago; verdadeiramente, pensar assim é como sofrer modorra.
Chamo mau e desumano a isso: a todo esse ensinamento do único, do pleno, do imóvel, do saciado, do imutável.
O imutável é apenas um símbolo! E os poetas mentem demais.
As melhores parábolas devem falar do tempo e do acontecer; devem ser um elogio e uma justificação de tudo o que é perecível.
Criar é a grande emancipação da dor e do alívio da vida; mas, para o criador existir são necessárias muitas dores e transformações.
Sim, criadores, é mister que haja na vossa vida muitas mortes amargas. Sereis assim os defensores e justificadores de tudo o que é perecível.
Para o criador ser o filho que renasce, é preciso que queira ser a mãe com as dores de mãe.
Em verdade, o meu caminho atravessou cem almas, cem berços e cem dores de parto. Muitas vezes me despedi; conheço as últimas horas que desgarram o coração.
Mas assim o quer a minha vontade criadora, o meu destino. Ou, para o dizer mais francamente: esse destino quer ser minha vontade.
Todos os meus sentimentos sofrem em mim e estão aprisionados; mas o meu querer chega sempre como libertador e mensageiro de alegria.
“Querer, libertar”: é essa a verdadeira doutrina da vontade e da liberdade; tal é a que ensina Zaratustra.
Não querer mais, não estimar mais e não criar mais! Ó! fique sempre longe de mim, esse grande desfalecimento.
Na investigação do conhecimento só sinto a alegria da minha vontade, a alegria do engendrar; e se há inocência no meu conhecimento, é porque nele há vontade de engendrar.
Essa vontade apartou-me de Deus e dos deuses. Que haveria, pois, que criar se houvesse deuses?
A minha ardente vontade de criar impele-me sempre de novo para os homens, assim como é impelido o martelo para a pedra.
Ai, homens! Uma imagem dormita para mim na pedra, a imagem das minhas imagens. Ó! haja de dormir na pedra mais feia e mais rija!
Agora o meu martelo desencadeia-se cruelmente contra a sua prisão. A pedra despedaça-se: que me importa?
Quero acabar esta imagem, porque uma sombra me visitou; qualquer coisa muito silenciosa e leve se dirigiu para mim!
A excelência do Super-homem visitou-me como uma sombra. Ai, meus irmãos! Que me importam já os deuses?”
Assim falava Zaratustra.
Carta ao dia dos namorados.

Meu amor, me desculpe se amanhã eu não aparecer com um presente. É que tinham muitas promoções e fiquei sem saber em qual crediário entrar. Pensei em comprar um anel bonito ou o último lançamento de celular. Mas depois fiquei na dúvida se conseguiria manter as prestações daquela bolsa linda que te dei de aniversário e que não consegui terminar de pagar porque acumulou com os sapatos que te comprei no Natal.
A gente poderia viajar para uma pousada, fazer um jantar a luz de velas e depois transar na banheira com sais e gel, mas meu chefe não autorizou que eu faltasse o trabalho depois de amanha! Ele disse que esse ano tem feriados demais e que de tanto enforcar os dias de serviço que eu já poderia me considerar um membro da inconfidência Mineira!
Não fique brava comigo! Ainda estou tentando dar um jeito de pegar uma grana emprestada com o Zé, que na verdade esta me devendo um favor pelo dia que a esposa dele me ligou para saber se estávamos juntos no bar e eu confirmei!
Se ele me ajudar com esse dinheiro acho que pelo menos um buquê de flores eu consigo enviar para o seu trabalho. Assim aqueles seus amigos sem vergonha talvez parem de ficar te assediando e aquele seu chefe desgraçado não lhe ofereça mais carona no fim do expediente!
Você outro dia estava chateada comigo e falou que só não saiu para jantar no restaurante caro com ele naquele carro importado que eu nunca vou poder comprar pra você, porque me ama de verdade e fiquei tão emocionado que joguei toda minha coleção de revistas da Playboy fora! Agora estão dizendo que a Playboy vai sair de circulação e fiquei com a sensação de que perdi a chance de no futuro ter um bem que será uma raridade e isso poderia nos ajudar a sair do aluguel!
Meu amor, prometo que vou conseguir comprar alguma lembrança para você! Para provar que te amo mais do que tudo nessa vida!
Tô usando uns sites de pesquisa aqui para ver qual o que me oferece as melhores condições de pagamento!
Não há prova de amor maior do que enfrentar um endividamento para colher o sorriso da pessoa amada!
Na pior das hipóteses se não conseguir comprar nada, prometo que na próxima data comemorativa a gente dorme naquele motel que te levei quando a gente se conheceu!
Você amou, lembra?
Então é isso!
Independente de qualquer coisa quero que saiba que vou comprar nem que seja um creme hidratante para comprovar que te amo e que você é especial para mim!
Com carinho.
Seu amado!

(Tico Santa Cruz)